1.Apresentação
Em função das dificuldades enfrentadas por nós estudantes, principalmente em virtude das greves e paralisações dos servidores públicos o que nos atinge tanto nas necessidades estruturais (acesso à internet, restaurante universitário, salas de estudos), quanto nas de acesso à informação[1] (laboratório de informática, biblioteca, salas adequadas...) o presente trabalho será apresentado baseando-se em apenas duas bibliografias impressas e, no mais, informações extraídas da mídia digital que, como sabemos não prima pela exatidão de seus dados.
Esta preleção, a guisa de desculpa, se faz necessária devido à recorrência de citações de um mesmo autor – Vera Terra -, conforme será demonstrado nos próximos parágrafos. Ressalvem-se as citações de Giulio Carlo Argan, cuja leitura havia sido feita em outra oportunidade, mas que chamou a atenção por constar em Terra (2000) e de Paul Griffits de quem foi lido apenas o capítulo sobre Aleatorismo.
1.1 Sobre a estrutura
Este trabalho não contém um capítulo de conclusão, pois as reflexões foram sendo realizadas durante a construção do texto e, portanto, a conclusão seria, neste caso, uma redundância.
Abri mão de fazer um capítulo extenso sobre a biografia de John Cage pelo fato de poder ser facilmente encontrada em qualquer local (site, livro, blog, resenha, ensaio...) com desencontro de informações ou margem de erro muito pequena e, assim, pontuei apenas alguns itens por sua obviedade ou relevância.
A estrutura conceitual se assenta em três eixos, visto que o Aleatorismo não é auto-explicativo o que determina sua contextualização no Modernismo a partir de algumas abordagens de caráter histórico, cultural e musical. Entretanto cabe ressaltar que só pode ser pretensão de um mero seminário apontar superficialmente territorialidades e temporalidades na localização desta corrente.
Dada a abrangência do tema e o número de músicos que se empenharam em fazer e pensar Aleatorismo, apenas seria possível ater-se a uma técnica focando um autor ou grupo dentro da corrente. Na realidade os compositores, individual ou coletivamente procuraram defender sua técnica composicional como a mais apropriada, melhor fundamentada ou mais avant garde.
O fato é que esta corrente, bem como outras em outros tempos e lugares, agregou diferentes pensamentos, prova disso são as definições diferenciadas, ao menos nos casos de Boulez e Cage em que temos Aleatorismo e Indeterminação, respectivamente.
Assim é que John Milton Cage Jr torna-se lídimo representante da Indeterminação em música, pois, de acordo com Francis Bayer este termo se aplicaria a, pelo menos, duas situações de composição concomitantes em que os elementos utilizados combinados criam uma ruptura de sentido e perda da concepção de obra (apud TERRA, 2000, pp.19, 135).
2. INTRODUÇÃO
2.1 Contexto histórico-cultural
Segundo Giulio Carlo Argan, eminente crítico de arte do século XX, a crise que se instala na arte, em todas as suas poéticas, surge como reflexo da Primeira Guerra Mundial basicamente por dois motivos: o apogeu do racionalismo artístico contradiz a irracionalidade da guerra, mas também há um esgotamento de material, técnica, temática, estética (1993, p.507).
As tentativas de reconstrução dos elementos artísticos aliadas à crescente aproximação entre os intelectuais da época, começam a esbarrar em conceituações que visam o rompimento com os cânones tradicionais. A própria filosofia começa a duvidar de si mesma em função das visadas existencialistas, do avanço dos estudos em psicologia, da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, mas de maneira mais eficaz devido às abordagens fenomenológicas de Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty e outros.
Não poderia ser verdade que as outras áreas de conhecimento realizassem as mudanças em música, já que ela vem mudando através dos tempos, mas os intelectuais da época, entre eles diversos artistas, irão fornecer o suporte teórico como base não-artística propriamente ou fornecerem material artístico, mas não-musical. É assim que temos figuras que, não sendo músicos profissionais, (instrumentistas, compositores, maestros...) vão diletantemente trazer propostas inovadoras de um arrojo impensado pelos músicos, vide o caso do Serialismo de Scöenberg.
Isso demonstra que mesmo os compositores comprometidos com novas propostas estéticas e inovações nas correntes de vanguarda estavam ainda muito presos à música de academia, naquilo que ela sempre guardou como tradição.
A situação da arte torna-se cada vez mais aguda e, após a Segunda Guerra Mundial, o centro polarizador das criações artísticas já não é mais privilégio da Velha Europa, principalmente de Paris e, nesse cenário, em New York, Tókio, São Paulo, Nuevo México começam a confluir e refluir movimentos e movimentações de artistas e intelectuais com propostas novas e ousadas.
Embora pareça contraditório é na França, no bojo do Cubismo, que se insinua a estética fundante da Arte Contemporânea: Dadá.
2.2 Na música
Curiosamente, os antigos libretos que acompanhavam as apresentações musicais são apenas substituídos por textos explicativos. Na realidade a busca por soluções fora do âmbito estritamente musical, dada a interlocução entre as diferentes áreas de conhecimento, resulta na apresentação das obras acompanhadas de pormenores teóricos que explicitam procedimentos e fundamentos. Tais textos não se restringiam a expor métodos e referenciais, mas defendiam de maneira panfletária, às vezes, suas idéias e objetivos.
É nesse contexto que se circunscreve o que foi chamado de Estética da Indeterminação (segunda metade do século XX), pois acolhe procedimentos indeterminados no tratamento do material, da forma e da interpretação ou, nas palavras de Earle Brown “função criativa do não-controle” (apud TERRA, 2000, p.18). Portanto, ao ser abandonada uma das premissas básicas que é o controle, o direcionamento, a intenção-fim não poderia estar sendo colocada em cheque outra premissa que é a da autoria? Sendo assim não se compromete o fazer no nível em que a concepção de obra de arte se insere, fazendo com que perca o status?
Paul Griffits (p.159) afirma que os europeus se preocupavam muito com o problema do controle (Schöenberg, Webern, Boulez, Stockhausen, Ligeti...), já o norte-americano John Cage, não, o que comprova a tese de Argan de que um dos componentes libertadores da arte de suas amarras acadêmicas é o deslocamento do pólo cultural europeu para outras partes do mundo.
O aleatorismo surge como elemento constituinte da música eletrônica e do serialismo integral por causa do processo composicional. No primeiro caso devido ao comportamento dos sons complexos e no outro por causa do determinismo numerológico.
De qualquer forma é requerida da arte alguma resposta eloqüente ao non sense bélico e esta resposta tem íntima ligação com as correntes artísticas modernas e contemporâneas, seja no controle total de Webern, seja na instigante indeterminação de Cage.
Fatalmente o controle weberniano mostra-se ilusório na medida em que o serialismo praticado por ele é uma técnica numerológica (GRIFFITS, p.159) o que certamente fornece as bases do aleatorismo de Boulez e a indeterminação de Cage, já que um se atém aos aspectos positivos e o outro aos negativos da obra de Webern (TERRA, 2000, p.23). Um quer o som, o controle, o outro quer o silêncio, o incerto.
Ainda de acordo com Vera Terra a indeterminação no contexto da produção artístico-musical comparece menos como desagregadora de um sistema (tonal) e mais como um componente propositivo. Em outras palavras, não é uma experiência devastadora, caricatural ou anedótica da música de concerto tonal, mas surge como solução dos problemas advindos do seu esgotamento.
Assim, há neste momento uma configuração artística (grifo do autor) em função de um conjunto de obras que vai se delineando como rompimento num evento, fazendo do rastro dela advindo uma estética passada que será, por força da inovação, inserida no campo do academicismo (BADIOU apud TERRA, 2000, p.17).
3 E O ALEATORISMO[2]...?
Para Isabel Alvarez o termo pode ser entendido como uma técnica composicional em que os elementos, em maior ou menor graus, serão indetermináveis na composição, execução ou em ambas.
Seus fundamentos se prestam a (in)-determinar o caminho ou procedimentos para que aquilo que pudesse ser um elemento fomentador não se transforme em formalismo.
A idéia é permitir o máximo de liberdade de forma e conteúdo em que o campo de atuação (o silêncio) não seja concebido apenas como fundo, mas seja inserido na música como figura, trazendo consigo o a maior quantidade possível de componentes externos imprevisíveis ou previsíveis, mas não controláveis.
Nesse sentido os procedimentos variam: há o piano preparado de Cage; a improvisação a partir de sugestões na pauta (ou não); utilização de mapas musicais; indicação de melodia, mas não de tempo; escolha aleatória de trechos escritos previamente; indeterminação de andamento...
Um dos aspectos fundantes da Música Aleatória é a ilusão da unidade intenção-escrita-audição, já que não nenhuma garantia de que aquilo que o compositor imaginou primitivamente e registrou em seguida, será executado pelo intérprete ou mesmo aquilo que o espectador escuta e apreende, retém sejam a mesma e única coisa.
As relações não são simples, existem muitas variáveis cuja origem, contexto e resultados jamais são os mesmos. Por outro lado, apenas a incorporação total do acaso na música é fato recente, visto que, já no barroco, não há indicação de andamento surgindo como forma de participação do intérprete. Vale lembrar que Mozart se utilizou da alea (jogo de dados) para compor (Würfelspiel).
3.1 O aleatório na obra de Cage...
... que, pelos motivos expostos, prefere o termo Indeterminação, não é um mero abandono[3], pelo contrário consiste em ilustrar meticulosamente o que está sendo feito e o que pode advir desta intenção. Mesmo em 4’33” há uma intenção não-intencional do compositor, menos em termos de controle e aprisionamento do que como proposição do evento e articulação dos componentes externos necessários à sua consecução: demiurgia (?).
A Indeterminação toma formas interessantes entre os colegas (discípulos?) de John Cage na Escola de Nova Iorque. Percebe-se que aspecto gráfico mais do que nunca tem importância nuclear nessa corrente, sendo fundamental para a execução das peças como mapa, indicativo das (não)-intenções do compositor.
Entretanto fica claro que compositor e intérprete devem partilhar códigos, sem os quais a comunicação ficaria interditada. Feldman, por exemplo, determina a forma, a partir de seu mapa, dando indicações de conteúdo a partir de uma grafia estrutural, geométrica e espacial. Brown, por sua vez, indica o conteúdo e não a forma, chegando a sugerir apenas por uma única linha sua pretensão sonora.
Cage vai preocupar-se com o processo e o contexto mais do que com a obra e, por conseguinte o texto e este será um dos muitos contrastes entre ele e Pierre Boulez (TERRA, 2000, p.36). A DIFERENÇA entre eles também pode ser percebida no ponto em que Boulez não abre mão do controle como garantia da propriedade da obra, enquanto que Cage não se detém no poder, abre mão do controle e de uma concepção bouleziana de autoria em prol da inovação (TERRA, 2000, p.47).
Percebe-se uma preocupação em trazer a indeterminação desde o barroco enquanto elementos timbrísticos, amplitudinais e, assim, performáticos. Entretanto considera que a música do século XX deve ir além, por isso a crítica a Stockhausen e, portanto, uma radicalidade no tratamento da forma, do material e da performance, ou seja, a indeterminação se instaura em todos os níveis da obra.
John Cage quer romper com a série de doze sons e a pulsação e transcende quebrando as formas acadêmicas. Nesse sentido aproxima-se fortuitamente do Dadaísmo “Nada, portanto, é alcançado com esta performance, já que ela não pode ser entendida como um objeto no tempo” (CAGE apud TERRA, 2000, p.33).
4. BIOGRAFIA e ALGUMAS OBRAS
- John Milton Cage Jr, nascido em Los Angeles, 05/set/1912;
- Abandonou a escola, foi para a Europa onde estudou Arquitetura e interessou-se por música e pintura;
- Estudou harmonia com Adolph Weiss e música oriental e folk com Henry Lowell na New School for Social Resourch (NY);
- Estudou com Schöenberg com quem brigou posteriormente;
- Envolveu-se com dança em ’37;
- Interessou-se por ruídos (e silêncio) montando uma orquestra de percussão para quem escreveu sua primeira peça experimental First Construction in Metal;
- Com o bailarino Merce Cunningham fez parceria em sua Cia de Dança;
- Criou o happening ao organizar um evento multimídia no Black Mountain College reunindo pinturas de Rauschenberg, a dança de Merce, música, filmes, poesia...
- Seu piano preparado surge em decorrência de uma peça encomendada pela dançarina Sylvilla Fort da Cornish School para a coreografia de seu Bacchanale de motivos afro-rítmicos, por isso os sons primitivos e percussivos criados pela inserção de objetos entre as cordas do instrumento;
- Posteriormente compôs suas Sonatas e Interlúdios todos para piano preparado;
- Fez incursões pela música eletrônica (Imaginary Landscape nº 4);
- Através do estudo do oráculo chinês (I Ching) compôs Music of Changes cuja técnica composicional consiste em “sortear” um hexagrama que, por associação, toma um conjunto de cartelas, compostas de som e silêncio, como base de interpretação e execução;
- A peça 4’33”, figura como marca registrada de Cage e
- O conjunto de ensaios intitulado Silence em que apresenta muitas de suas propostas e idéias sobre indeterminação, sendo estas duas últimas obras as principais responsáveis pelo rótulo de neo-dadaísta.
5. DISCOGRAFIA
Piano preparado para Bacchanale
Imaginary Landscape Nº 1
Sonata Nº 1
Musico f Changes (1951 – Book 1)
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRIFFTHS, Paul. A Música Moderna: uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
TERRA, Vera. Acaso e aleatório na música: um estudo da indeterminação nas poéticas de Cage e Boulez. São Paulo: EDUC-FAPESP, 2000.
ÁLVAREZ, Isabel. ¿En qué consiste exactamente el principio de aleatorismo que propugnaba John Cage? ¿Qué son los pianos preparados?Disponível em:< id_d="82&secc="1"> Acesso em: 05/jun/2007, 13h10m.
BIOGRAFIA DE COMPOSITORES DE MÚSICA CLÁSSICA: JOHN CAGE. Disponível em :
[2] Aleatorismo: Do latim alea, que quer dizer sorte/azar, ou como referência ao jogo de dados. O termo foi utilizado por Boulez em um ensaio que acompanhava a Terceira Sonata para piano (1957).
[3] Justamente a crítica que Boulez faz a Cage (BOULEZ apud TERRA, 2000, p.34).
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