PRÁTICA PEDAGÓGICA
OBSERVAÇÃO E PESQUISA SOBRE PRÁTICA NÃO-FORMAL
GRUPO DE PERCUSSÃO BATUQUE NAUÁ
APRESENTAÇÃO
Embora tivesse programado quatro observações de situações de ensaio, devido a um feriado e uma apresentação, houve tempo hábil apenas para três. Utilizo neste relatório final o primeiro ensaio por acreditar que sintetiza todos os outros, mas com anotações feitas em outras oportunidades, seja em forma de notas de rodapé, apontamentos e reflexões.
Separei o texto em dois blocos: Observação e Entrevistas.
Em Observação separei o texto em Antes do ensaio e Ensaio, mas, também em pequenos blocos, sem título por sua inserção na situação observada e em conformidade com os temas abordados.
Em Entrevistas separei apenas por entrevistado, seguindo uma ordem cronológica. Infelizmente não foi possível entrevistar o principal ator deste grupo, Daniel, devido a uma série de desencontros e equívocos.
OBSERVAÇÃO
Antes do ensaio – 23/08/2006
Na fila do RU (como é chamado o Restaurante Universitário) encontrei Artur, um dos componentes do grupo de maracatu que, em sua maior parte, é formado por alunos e ex-alunos da UFMT.
Visto que já nos conhecíamos e que isto viria a interferir na forma como se daria o desenvolvimento de nosso diálogo, logo de início me apresentei como pesquisador e nossa conversa girou em torno de sua forma de contato com o grupo, mas de modo muito particular acabou convergindo para o aspecto técnico-instrumental.
Artur revela um conhecimento bastante apurado sobre o assunto. Muito embora não domine a terminologia musical consegue exprimir diferenças entre tocar caixa e tocar alfaia; gonguê e alfaia; xequerê e alfaia[1]. A referência se torna óbvia: a alfaia se revela o coração do maracatu em diferentes sentidos (metafórica e musicalmente, por exemplo), mas o desafio é tocar caixa e gonguê (“é que a caixa e o gonguê tem que ter força pra tocar, a alfaia não, ela é mais marcada” - Artur, 23/08/2006).
Ensaio
Hoje é domingo, dia de descanso, de passeio, de futebol... Dia de Maracatu.
Fui chegando pelo portão da saída leste da UFMT acreditando que tivesse que mudar meus sujeitos de estudo, pois não se ouvia nada.
Fui me aproximando. Reitoria, Biblioteca Central, Teatro Universitário, área verde abaixo do Teatro... Opa, já deu pra ouvir! Um pouco entrecortado, ora um instrumento, ora outro, mas começou.
Como já havia me apresentado anteriormente e avisado que faria a observação para a prática pedagógica, fiquei fora do raio de alcance para poder distinguir os instrumentos e já percebendo que havia gente nova no pedaço (as alfaias estavam desencontradas nos finais de alguns compassos)[2].
Os integrantes do grupo variam entre seis e oito (três alfaias, uma caixa, um gonguê, dois xequerês, um chocalho), apenas uma mulher, um músico que lê partitura, um estudante de direito que também lê e os demais não-músicos.
O ensaio não segue nenhuma estrutura a não ser a separação entre os maracatus e as cirandas; ele (o ensaio) é de repertório em que os “mais novos” vão se agregando ao grupo e tocando os instrumentos que estiverem livres. Quem estiver mais próximo ou com instrumento semelhante vai ensinando a quem chega que vai “entrando na roda” na medida em que vai aumentando seu grau de intimidade com o “toque”.
Pode-se traçar um paralelo com o aprendizado musical em comunidades locais (CONDE & NEVES, 2001) onde o envolvimento não se dá pelas vias formais, visto que o espaço de aprendizagem é aberto, público, por onde transitam pessoas de diferentes classes sociais, formação, visão de mundo e, algumas, se identificam com a música que é executada, ficando por ali, tocando um instrumento ou não.
O repertório vai sendo executado segundo a memória, a lembrança de cada um: “E aquela assim?” ou “Vamos tocar aquela que faz assim?”, ou seja, a referência pra quem não conhece os códigos, o repertório, a estrutura rítmica é vaga e só se materializa enquanto vão tocando. Não se referem às músicas pelo título, mas pela linha melódica e pela primeira frase (cantada ou falada). É provável que o grupo tenha, ao longo do tempo, encontrado formas de referenciar repertório e também de estabelecer códigos para solucionar problemas de comunicação.
Todas as músicas têm uma estrutura similar: primeiro uma toada[3], onde apenas se canta (com ou sem resposta do coro), em geral na métrica de quadra, repetindo os versos das estrofes e do refrão, duas ou três vezes e terminando na tônica para introduzir a percussão.
As convenções (breques, dobras, acelerandos...) são realizadas com os membros se entreolhando, ou por um fenômeno de “contaminação”, embora haja sinais indicativos de quem faz pausa e quem continua executando para um retorno do conjunto todo cujo efeito é contagiante. Às vezes só o gonguê, ou a caixa fica tocando e alguém da alfaia (Arthur ou Daniel) após uma seqüência de 4 ou 8 compassos, conta dois compassos (“E 1, 2, 3, 4.”) para a entrada de todos.
A roda/círculo durante o ensaio é a mantenedora da comunicação entre os participantes, permitindo que dinâmicas, muito utilizadas por eles, possam ser realizadas. Estar no círculo equivale a participar do evento. Isso pode ser observado na posição de quem se aproxima do grupo, se bem que há pessoas que, não percebendo este código/signo, se posiciona no círculo mesmo sem tocar no ritmo, ou melhor, dominar a célula rítmica daquele instrumento.
Entretanto é preciso definir o conceito de roda/círculo que, nesse caso, não se trata apenas de fenômeno organizado espacialmente, mas de um organismo, visto que é formado por seres vivos em constante movimento e produção. Portanto há uma dinâmica de abertura e fechamento a fim de absorver ou não um novo “produtor” que deve se adequar ao que está sendo produzido. O fato significativo é a forma como isso acontece: cada membro (conforme o grau de intimidade com o instrumento) assume uma postura pedagógica e, conseqüentemente autônoma, que se torna um dos mecanismos mais importantes de integração deste novo membro.
Pelo menos três membros realizam esta tarefa.
Suas indicações fraseológicas, por exemplo, são vagas, mas inteligíveis: compõe-se de “Assim, ó: tam-tum tam-tum tam-tam-tam-tam-tum, vai, agora...” ou “Vai! Um, dois, três, quatro e um, dois, três, quatro e...” para acertar compasso, ou “Quem quem-quem...” (Daniel ensinando uma célula de gonguê).
Lamentavelmente, ao final do ensaio, quando íamos conversar, veio a chuva e todos se dispersaram numa explosão significativa do crescendo e acelerando do final do ensaio em que a roda foi se fechando, fechando e acelerando até atacar num fortíssimo na cabeça do compasso, ou seja: interessante metáfora, onde o final da música cai no início do compasso abrindo a possibilidade para um recomeço.
ENTREVISTAS
Estas foram entrevistas semi-estruturadas e que tiveram como ponto central, ou pontos centrais, relacionar ingresso e permanência no grupo com origem do próprio grupo; pedagogia ou conhecimentos musicais utilizados no processo de aprendizagem e domínio de uma nova linguagem musical e saber de alguns objetivos do grupo enquanto proporcionador de espaço de aprendizagem (PRASS, 2004).
Dando voz aos entrevistados, mas, ao mesmo tempo, realizando reflexões, optei por não referenciar as falas a todo o momento para não tornar o texto cansativo. Portanto, utilizei aspas para identificar suas falas.
Entrevista com Fabrício Monteiro da Silva em 11/09/2006
Hoje é terça-feira e, num encontro após o almoço no RU, resolvemos nos encontrar para conversar sobre o grupo, seu início, significado, entre outras coisas.
O entrevistado é meu amigo e senti que este fato ora colaborou, ora prejudicou o andamento da entrevista. De um lado permitiu que a conversa fosse bem descontraída, de outro me deu a impressão de que ele imaginava que eu deveria saber algumas coisas acerca do assunto e que não fazia sentido respondê-las.
Fabrício, 34 anos, é integrante do Grupo de Percussão Batuque Nauá. Formado em Jornalismo, funcionário do INCRA, cursando Direito na UFMT, mas, nas palavras dele, “amante da música” (PENNA, 2003), com domínio razoavelmente bom de grafia musical. Está no grupo há cerca de 1 ano (talvez mais, não soube dizer ao certo) e, apesar de ter ingressado no início, não se considera um de seus fundadores.
Pergunto a ele sobre como se deu seu ingresso no grupo, a forma como o grupo o acolheu e como se inseriu na dinâmica grupal, mas suas respostas foram tão evasivas que sou levado a crer que, além de sua bagagem musical e seu conhecimento prévio do repertório, ainda que superficial, fizeram de seu ingresso, não algo marcante, mas natural até certo ponto.
Sua adesão ao grupo e as referências declaradas forneceram esteio e base para sua permanência, mas apresenta a proposta do grupo como um dado novo para mim, demonstrando que sua experiência foi/é válida: “A proposta inicial do grupo não era tocar apenas maracatu, mas diversos ritmos, fazendo pesquisas... todos tocam tudo, mas a gente tem os instrumentos de preferência... nunca toquei alfaia, mas conhecia a caixa, instrumento que toco até hoje... eu fiquei com a caixa porque já conhecia...”.
É interessante que figuram entre conhecimentos e referências utilizadas na facilitação de seu ingresso e permanência: escolas de samba, Jorge Bem, Nação Zumbi-Chico Science, viagens pelo nordeste, vídeos e CDs de e sobre maracatu.
Isso me fez pensar sobre desterritorialização, mídias, criações, territórios, folclore (FREIRE, 1999, p.13), mas também trocas, valorização, integração, processos de construção, miscigenação cultural, onde a mistura traz o novo.
Falar sobre o grupo e suas origens é falar sobre Daniel (figura central do grupo). Vêm à tona questões bastante interessantes, visto que, de acordo com Fabrício, ele não é reconhecido e nem se reconhece como “Mestre” (título dado aos coordenadores dos Maracatus em Pernambuco). Mesmo quando me refiro ao Daniel como “líder” meu entrevistado não aceita, preferindo que eu o chame de “fundador”.
Assim, o fundador do grupo realizou, no começo, oficinas de percussão corporal, sensibilização corporal que Fabrício percebeu como conhecimentos acadêmicos e, indo além, declara que são conhecimentos necessários para o ensino (KATER, 2004).
O papo segue descontraído, com interrupções, risadas, porque meu interlocutor (e essa foi uma declaração que fiz) é um péssimo informante, então pergunto de forma direta se, em algum momento, foi utilizada a grafia musical tradicional (partitura ou coisa do gênero) para transmissão de conhecimento, descubro que, por causa de uma dificuldade técnica (Fabrício é canhoto e Daniel é destro) foi cedido um material particular, (uma revista de percussão com um espaço para maracatu) para compreender os toques e células. Todavia este material só foi cedido após muita insistência e não circula pelo grupo.
Este trecho mexeu um pouco comigo pois, embora meu entrevistado tenha declarado não haver um líder e, sim, uma igualdade entre os membros, há um controle, manutenção de posição, lugar de poder configurado pela maneira como se lida com informação, ou melhor, conhecimento.
Chegando ao final da entrevista alguns tópicos ainda estão em aberto, já que o grupo adquiriu uma nova categoria aos meus olhos: é um grupo que quer se desenvolver e tocar diferentes gêneros, mas é um grupo jovem, aberto[4] que pretende disseminar conhecimentos musicais (se bem que nisso pode haver alguma contradição ou questão de ordem metodológica ou de poder), por outro lado a indagação mais que pertinente “O que leva estas pessoas a saírem de casa num final de tarde de domingo pra ir tocar maracatus e cirandas?” e que é de pronto respondida “... a gente vai descarregar energias, agora viajei, mas acho que é isso mesmo...”
Entrevista com Arthur José Pimentel Lopes – 14/09/2006
Estamos sentados no saguão do RU à noite e agora reflito sobre como o espaço do RU tem sido uma constante nesta pesquisa, (os contatos, as conversas, o ensaio), tentando emplacar uma conversa congruente e que destaque os pontos que julgo serem relevantes, apesar de que acredito que é preciso dar “voz” aos entrevistados como forma de contemplar a ótica de quem está fazendo, realizando o processo.
Arthur, pelo que pude perceber, é um dos líderes do grupo[5], recém graduado em Filosofia, apesar de ter passado pelo Curso de Direito em outra faculdade.
Assim como Fabrício, tem nas figuras de Chico Science e da banda Nação Zumbi referências para o grupo.
Neste ponto perguntei sobre a origem do grupo e do nome (Batuque Nauá).
“O nome tem origem na língua tupi-guarani e quer dizer ‘gente’, então significa batuque da gente” e foi trazido para o grupo quando surgiu a preocupação em dar um nome, após duas tentativas – nomes que ficaram provisoriamente, mas que ele não quis dizer quais eram. Então, nessa época, Daniel propõe Nauá, palavra que ele conheceu em Florianópolis, quando de sua passagem por lá, no mesmo período em que aprendeu o maracatu.
O conhecimento e a musicalidade do grupo diferem dos de suas influências em diferentes aspectos: através de Chico Science conhecem o Maracatu que é a música/dança/ritual de coroação realizados pelas nações[6] onde também buscam inspiração, repertório, técnica e também, pesquisando em vídeo, revistas, internet. Meu interlocutor quer deixar bem claro que há uma diferença grande entre o grupo e as nações que são “mais completas”, pois possuem, além do cortejo (batuqueiros e dançarinas), as figuras da coração (Rei e Rainha do Maracatu) que remetem à África.
Tenho a impressão de que ele quis dizer mais sobre o sentido de completude contido em ‘nação’. Percebo que o termo abarca questões muito próprias ao maracatu e que vão além dele por conter noções de identidade, construção cultural estreitamente ligada à territorialidade.
Arthur utiliza terminologias próprias, híbridas em relação a qualquer jargão musical, seja profissional liberal, acadêmico ou regionalista pernambucano. Porém, olhando por outro prisma, por não se tratar de um grupo com formação, objetos e objetivos definidos, pode-se interpretar como uma forma de solucionar um problema comunicacional através de uma construção vernacular particular.
Ele entende que a prática tem dois momentos distintos, divididos em: apresentação e ensaio.
Em sua fala percebo que a autonomia e pesos individuais proclamados ainda são modelos ou desejos que constam, por enquanto, no plano ideal quando afirma que os ensaios não representam, a seu ver, apenas momentos de aprimoramento técnico, repertorial, mas são verdadeiras “oficinas, onde ensina, digo, se troca experiências”.
Por outro lado, as apresentações contêm um elemento mágico, catártico ou, em suas palavras, “um momento de confraternização”.
Também nesse sentido é que o grupo é incompleto, não apenas quando aspiram a um número maior de participantes, mas como obra que precisa do público e, por conseguinte, da apresentação para se realizar.
Ao ser perguntado sobre os objetivos do grupo, responde que a idéia é “plantar sementes” para que “a partir deste grupo surjam outros com os mesmo ideais”.
Em relação a estes “ideais” faz uma exposição sobre a situação dos grupos e pessoas de Florianópolis que deram origem ao Batuque Nauá. Aponta dois grupos distintos, de um lado os grupos que se profissionalizaram ganharam dinheiro, “montaram escolas de maracatu” e ganharam mais dinheiro com isso, de outro os grupos que continuaram amadores, realizando apresentações em datas importantes, em geral de conotação religiosa, mas que têm uma ligação forte com as Nações de Pernambuco, pra quem “prestam homenagens como no caso da comemoração de aniversário do Maracatu Estrela Brilhante, um dos mais tradicionais”.
CONCLUSÃO
Há diversos aspectos curiosos no perfil deste grupo que tem uma faceta artístico-musical muito peculiar, pois assume um amadorismo ideológico em oposição ao mercado musical de orientação puramente capitalista, ao mesmo tempo em que se reconhece enquanto grupo de músicos, porém, pedagogicamente não é conteudista, pelo contrário, faz uma opção bastante arrojada e alinhada com o que há de mais avançado nas discussões de educação musical ao assumir os saberes de qualquer espécie como importantes no processo dialógico de ensino-aprendizagem que se realiza durante os ensaios.
Outro detalhe importante é a internalização das formas musicais representada pela incorporação ao repertório de composições do grupo (na verdade trata-se de composições de Daniel e Arthur).
Enfim, há a estrutura em que se assenta o fazer musical e pedagógico do grupo onde percebemos que a pesquisa-(visa o)-ensaio-(visa a)-apresentação, muito embora estejam envolvidas outras dinâmicas e variáveis, como: empenho individual, falta de instrumentos inconstância de alguns atores o que faz com que um núcleo assuma o grupo embora a proposta não seja exatamente esta e sim, autonomia e descentralização de ações e poderes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONDE, Cecília; NEVES, José Maria. Música e educação não-formal. Pesquisa e música. Revista do Centro de Pós-graduação do CBM. Rio de Janeiro, v.1, n.1, p. 41-52. 1984/85.
FERRARO JUNIOR, Luiz Antonio (org.). Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação Ambiental, 2005, p.37-46.
FREIRE, Vanda Lima Bellard. Currículos, apreciação musical, e culturas brasileiras. Revista da ABEM, Porto Alegre, v.6, p. 69-72, set/2001.
__________________________. Currículos de música e culturas brasileiras. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 9. Belém, 2000. Anais... Belém: ABEM, p.133-140, 2000.
__________________________. Música, globalização e currículos. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8. Curitiba, 1999. Anais... Curitiba: ABEM, p.10-16, 1999.
KATER, Carlos. O que podemos esperar da Educação Musical em projetos de ação social. In: Revista da ABEM. Porto Alegre, v.10, p.43-51, mai/2004.
LÜHNING, Ângela Elizabeth. A Educação Musical e a música da Cultura Popular. ICTUS, 1, Salvador, v.1, p.43-60, 2000.
PENNA, Maura. Apre(e)ndendo músicas: na vida e nas escolas. In: Revista da ABEM. Porto Alegre, v.9, p.71-79, set/2003.
PRASS, Luciana. Saberes musicais em uma bateria de escola de samba. Uma etnografia entre os Bambas da Orgia. Porto Alegre: EdUFRGS, 2004.
SOUZA, Jusamara. Múltiplos espaços e novas demandas profissionais: reconfigurando o campo da Educação Musical. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 10, Uberlândia, 2001. Anais..., Uberlândia: ABEM, p.85-92, 2001.
________________. Música, cotidiano e educação: pressupostos e temas fundamentais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 9. Belém, 2000. Anais... Belém: ABEM, p.69-78, 2000.
[1] Alfaia: tambor construído artesanalmente com chapas de compensado, lâminas de madeira, couro de boi e cordas.
Gonguê: instrumento de percussão feito de metal fundido, composto de quatro partes, de ferro, soldadas: uma que serve de apoio na perna, uma haste de metal por onde se segura o instrumento e duas chapas grossas, dobradas convexamente, afuniladas, soldadas e parafusadas, presas de um lado à haste e abertas na extremidade, percutidas com um bastão de madeira.
Xequerê: instrumento feito com uma cabaça aberta numa extremidade e com o corpo envolto por contas trançadas em fios encerados.
[2] Posteriormente tudo será registrado em pauta musical.
[3] Arthur referiu-se às músicas como loas, mas Daniel, precursor do grupo, refere-se como toadas.
[4] Esta abertura é de diferentes níveis: às influências, posto que pretendem tocar outros ritmos; às pessoas que queiram participar e às pessoas que queiram ingressar.
[5] Embora nenhum deles admita estas lideranças, por uma questão de orientação filosófica do grupo que vê nos processos interativos entre seus membros e pessoas que gravitam por ele “trocas de experiências” de acordo com a fala de Arthur durante a entrevista.
[6] As nações de maracatu são as agremiações em torno das quais se organizam os diversos grupos para o desfile e, em sua maioria, são de orientação religiosa afro-brasileira, estruturado hierarquicamente e, muitas vezes, familiarmente também.
Criação, construção, invenção de instrumentos musicais em diferentes princípios e corpos vibradores. A pesquisa se volta para a Educação Ambiental na pesquisa sobre manifestações artísticas em comunidades e povos tradicionais (Dança do Congo, Siriri, Cururu...), e REUTILIZAÇÃO de resíduos sólidos de origens diversas. Assim, trabalhos de interesse acadêmico que tenham algo a ver com música, ambiente, instrumentos musicais, arte e, claro, poemas, contos, prosas e afins...
sexta-feira, 29 de junho de 2007
quinta-feira, 28 de junho de 2007
JOHN CAGE – INDETERMINAÇÃO (ALEATORISMO)
1.Apresentação
Em função das dificuldades enfrentadas por nós estudantes, principalmente em virtude das greves e paralisações dos servidores públicos o que nos atinge tanto nas necessidades estruturais (acesso à internet, restaurante universitário, salas de estudos), quanto nas de acesso à informação[1] (laboratório de informática, biblioteca, salas adequadas...) o presente trabalho será apresentado baseando-se em apenas duas bibliografias impressas e, no mais, informações extraídas da mídia digital que, como sabemos não prima pela exatidão de seus dados.
Esta preleção, a guisa de desculpa, se faz necessária devido à recorrência de citações de um mesmo autor – Vera Terra -, conforme será demonstrado nos próximos parágrafos. Ressalvem-se as citações de Giulio Carlo Argan, cuja leitura havia sido feita em outra oportunidade, mas que chamou a atenção por constar em Terra (2000) e de Paul Griffits de quem foi lido apenas o capítulo sobre Aleatorismo.
1.1 Sobre a estrutura
Este trabalho não contém um capítulo de conclusão, pois as reflexões foram sendo realizadas durante a construção do texto e, portanto, a conclusão seria, neste caso, uma redundância.
Abri mão de fazer um capítulo extenso sobre a biografia de John Cage pelo fato de poder ser facilmente encontrada em qualquer local (site, livro, blog, resenha, ensaio...) com desencontro de informações ou margem de erro muito pequena e, assim, pontuei apenas alguns itens por sua obviedade ou relevância.
A estrutura conceitual se assenta em três eixos, visto que o Aleatorismo não é auto-explicativo o que determina sua contextualização no Modernismo a partir de algumas abordagens de caráter histórico, cultural e musical. Entretanto cabe ressaltar que só pode ser pretensão de um mero seminário apontar superficialmente territorialidades e temporalidades na localização desta corrente.
Dada a abrangência do tema e o número de músicos que se empenharam em fazer e pensar Aleatorismo, apenas seria possível ater-se a uma técnica focando um autor ou grupo dentro da corrente. Na realidade os compositores, individual ou coletivamente procuraram defender sua técnica composicional como a mais apropriada, melhor fundamentada ou mais avant garde.
O fato é que esta corrente, bem como outras em outros tempos e lugares, agregou diferentes pensamentos, prova disso são as definições diferenciadas, ao menos nos casos de Boulez e Cage em que temos Aleatorismo e Indeterminação, respectivamente.
Assim é que John Milton Cage Jr torna-se lídimo representante da Indeterminação em música, pois, de acordo com Francis Bayer este termo se aplicaria a, pelo menos, duas situações de composição concomitantes em que os elementos utilizados combinados criam uma ruptura de sentido e perda da concepção de obra (apud TERRA, 2000, pp.19, 135).
2. INTRODUÇÃO
2.1 Contexto histórico-cultural
Segundo Giulio Carlo Argan, eminente crítico de arte do século XX, a crise que se instala na arte, em todas as suas poéticas, surge como reflexo da Primeira Guerra Mundial basicamente por dois motivos: o apogeu do racionalismo artístico contradiz a irracionalidade da guerra, mas também há um esgotamento de material, técnica, temática, estética (1993, p.507).
As tentativas de reconstrução dos elementos artísticos aliadas à crescente aproximação entre os intelectuais da época, começam a esbarrar em conceituações que visam o rompimento com os cânones tradicionais. A própria filosofia começa a duvidar de si mesma em função das visadas existencialistas, do avanço dos estudos em psicologia, da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, mas de maneira mais eficaz devido às abordagens fenomenológicas de Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty e outros.
Não poderia ser verdade que as outras áreas de conhecimento realizassem as mudanças em música, já que ela vem mudando através dos tempos, mas os intelectuais da época, entre eles diversos artistas, irão fornecer o suporte teórico como base não-artística propriamente ou fornecerem material artístico, mas não-musical. É assim que temos figuras que, não sendo músicos profissionais, (instrumentistas, compositores, maestros...) vão diletantemente trazer propostas inovadoras de um arrojo impensado pelos músicos, vide o caso do Serialismo de Scöenberg.
Isso demonstra que mesmo os compositores comprometidos com novas propostas estéticas e inovações nas correntes de vanguarda estavam ainda muito presos à música de academia, naquilo que ela sempre guardou como tradição.
A situação da arte torna-se cada vez mais aguda e, após a Segunda Guerra Mundial, o centro polarizador das criações artísticas já não é mais privilégio da Velha Europa, principalmente de Paris e, nesse cenário, em New York, Tókio, São Paulo, Nuevo México começam a confluir e refluir movimentos e movimentações de artistas e intelectuais com propostas novas e ousadas.
Embora pareça contraditório é na França, no bojo do Cubismo, que se insinua a estética fundante da Arte Contemporânea: Dadá.
2.2 Na música
Curiosamente, os antigos libretos que acompanhavam as apresentações musicais são apenas substituídos por textos explicativos. Na realidade a busca por soluções fora do âmbito estritamente musical, dada a interlocução entre as diferentes áreas de conhecimento, resulta na apresentação das obras acompanhadas de pormenores teóricos que explicitam procedimentos e fundamentos. Tais textos não se restringiam a expor métodos e referenciais, mas defendiam de maneira panfletária, às vezes, suas idéias e objetivos.
É nesse contexto que se circunscreve o que foi chamado de Estética da Indeterminação (segunda metade do século XX), pois acolhe procedimentos indeterminados no tratamento do material, da forma e da interpretação ou, nas palavras de Earle Brown “função criativa do não-controle” (apud TERRA, 2000, p.18). Portanto, ao ser abandonada uma das premissas básicas que é o controle, o direcionamento, a intenção-fim não poderia estar sendo colocada em cheque outra premissa que é a da autoria? Sendo assim não se compromete o fazer no nível em que a concepção de obra de arte se insere, fazendo com que perca o status?
Paul Griffits (p.159) afirma que os europeus se preocupavam muito com o problema do controle (Schöenberg, Webern, Boulez, Stockhausen, Ligeti...), já o norte-americano John Cage, não, o que comprova a tese de Argan de que um dos componentes libertadores da arte de suas amarras acadêmicas é o deslocamento do pólo cultural europeu para outras partes do mundo.
O aleatorismo surge como elemento constituinte da música eletrônica e do serialismo integral por causa do processo composicional. No primeiro caso devido ao comportamento dos sons complexos e no outro por causa do determinismo numerológico.
De qualquer forma é requerida da arte alguma resposta eloqüente ao non sense bélico e esta resposta tem íntima ligação com as correntes artísticas modernas e contemporâneas, seja no controle total de Webern, seja na instigante indeterminação de Cage.
Fatalmente o controle weberniano mostra-se ilusório na medida em que o serialismo praticado por ele é uma técnica numerológica (GRIFFITS, p.159) o que certamente fornece as bases do aleatorismo de Boulez e a indeterminação de Cage, já que um se atém aos aspectos positivos e o outro aos negativos da obra de Webern (TERRA, 2000, p.23). Um quer o som, o controle, o outro quer o silêncio, o incerto.
Ainda de acordo com Vera Terra a indeterminação no contexto da produção artístico-musical comparece menos como desagregadora de um sistema (tonal) e mais como um componente propositivo. Em outras palavras, não é uma experiência devastadora, caricatural ou anedótica da música de concerto tonal, mas surge como solução dos problemas advindos do seu esgotamento.
Assim, há neste momento uma configuração artística (grifo do autor) em função de um conjunto de obras que vai se delineando como rompimento num evento, fazendo do rastro dela advindo uma estética passada que será, por força da inovação, inserida no campo do academicismo (BADIOU apud TERRA, 2000, p.17).
3 E O ALEATORISMO[2]...?
Para Isabel Alvarez o termo pode ser entendido como uma técnica composicional em que os elementos, em maior ou menor graus, serão indetermináveis na composição, execução ou em ambas.
Seus fundamentos se prestam a (in)-determinar o caminho ou procedimentos para que aquilo que pudesse ser um elemento fomentador não se transforme em formalismo.
A idéia é permitir o máximo de liberdade de forma e conteúdo em que o campo de atuação (o silêncio) não seja concebido apenas como fundo, mas seja inserido na música como figura, trazendo consigo o a maior quantidade possível de componentes externos imprevisíveis ou previsíveis, mas não controláveis.
Nesse sentido os procedimentos variam: há o piano preparado de Cage; a improvisação a partir de sugestões na pauta (ou não); utilização de mapas musicais; indicação de melodia, mas não de tempo; escolha aleatória de trechos escritos previamente; indeterminação de andamento...
Um dos aspectos fundantes da Música Aleatória é a ilusão da unidade intenção-escrita-audição, já que não nenhuma garantia de que aquilo que o compositor imaginou primitivamente e registrou em seguida, será executado pelo intérprete ou mesmo aquilo que o espectador escuta e apreende, retém sejam a mesma e única coisa.
As relações não são simples, existem muitas variáveis cuja origem, contexto e resultados jamais são os mesmos. Por outro lado, apenas a incorporação total do acaso na música é fato recente, visto que, já no barroco, não há indicação de andamento surgindo como forma de participação do intérprete. Vale lembrar que Mozart se utilizou da alea (jogo de dados) para compor (Würfelspiel).
3.1 O aleatório na obra de Cage...
... que, pelos motivos expostos, prefere o termo Indeterminação, não é um mero abandono[3], pelo contrário consiste em ilustrar meticulosamente o que está sendo feito e o que pode advir desta intenção. Mesmo em 4’33” há uma intenção não-intencional do compositor, menos em termos de controle e aprisionamento do que como proposição do evento e articulação dos componentes externos necessários à sua consecução: demiurgia (?).
A Indeterminação toma formas interessantes entre os colegas (discípulos?) de John Cage na Escola de Nova Iorque. Percebe-se que aspecto gráfico mais do que nunca tem importância nuclear nessa corrente, sendo fundamental para a execução das peças como mapa, indicativo das (não)-intenções do compositor.
Entretanto fica claro que compositor e intérprete devem partilhar códigos, sem os quais a comunicação ficaria interditada. Feldman, por exemplo, determina a forma, a partir de seu mapa, dando indicações de conteúdo a partir de uma grafia estrutural, geométrica e espacial. Brown, por sua vez, indica o conteúdo e não a forma, chegando a sugerir apenas por uma única linha sua pretensão sonora.
Cage vai preocupar-se com o processo e o contexto mais do que com a obra e, por conseguinte o texto e este será um dos muitos contrastes entre ele e Pierre Boulez (TERRA, 2000, p.36). A DIFERENÇA entre eles também pode ser percebida no ponto em que Boulez não abre mão do controle como garantia da propriedade da obra, enquanto que Cage não se detém no poder, abre mão do controle e de uma concepção bouleziana de autoria em prol da inovação (TERRA, 2000, p.47).
Percebe-se uma preocupação em trazer a indeterminação desde o barroco enquanto elementos timbrísticos, amplitudinais e, assim, performáticos. Entretanto considera que a música do século XX deve ir além, por isso a crítica a Stockhausen e, portanto, uma radicalidade no tratamento da forma, do material e da performance, ou seja, a indeterminação se instaura em todos os níveis da obra.
John Cage quer romper com a série de doze sons e a pulsação e transcende quebrando as formas acadêmicas. Nesse sentido aproxima-se fortuitamente do Dadaísmo “Nada, portanto, é alcançado com esta performance, já que ela não pode ser entendida como um objeto no tempo” (CAGE apud TERRA, 2000, p.33).
4. BIOGRAFIA e ALGUMAS OBRAS
- John Milton Cage Jr, nascido em Los Angeles, 05/set/1912;
- Abandonou a escola, foi para a Europa onde estudou Arquitetura e interessou-se por música e pintura;
- Estudou harmonia com Adolph Weiss e música oriental e folk com Henry Lowell na New School for Social Resourch (NY);
- Estudou com Schöenberg com quem brigou posteriormente;
- Envolveu-se com dança em ’37;
- Interessou-se por ruídos (e silêncio) montando uma orquestra de percussão para quem escreveu sua primeira peça experimental First Construction in Metal;
- Com o bailarino Merce Cunningham fez parceria em sua Cia de Dança;
- Criou o happening ao organizar um evento multimídia no Black Mountain College reunindo pinturas de Rauschenberg, a dança de Merce, música, filmes, poesia...
- Seu piano preparado surge em decorrência de uma peça encomendada pela dançarina Sylvilla Fort da Cornish School para a coreografia de seu Bacchanale de motivos afro-rítmicos, por isso os sons primitivos e percussivos criados pela inserção de objetos entre as cordas do instrumento;
- Posteriormente compôs suas Sonatas e Interlúdios todos para piano preparado;
- Fez incursões pela música eletrônica (Imaginary Landscape nº 4);
- Através do estudo do oráculo chinês (I Ching) compôs Music of Changes cuja técnica composicional consiste em “sortear” um hexagrama que, por associação, toma um conjunto de cartelas, compostas de som e silêncio, como base de interpretação e execução;
- A peça 4’33”, figura como marca registrada de Cage e
- O conjunto de ensaios intitulado Silence em que apresenta muitas de suas propostas e idéias sobre indeterminação, sendo estas duas últimas obras as principais responsáveis pelo rótulo de neo-dadaísta.
5. DISCOGRAFIA
Piano preparado para Bacchanale
Imaginary Landscape Nº 1
Sonata Nº 1
Musico f Changes (1951 – Book 1)
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRIFFTHS, Paul. A Música Moderna: uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
TERRA, Vera. Acaso e aleatório na música: um estudo da indeterminação nas poéticas de Cage e Boulez. São Paulo: EDUC-FAPESP, 2000.
ÁLVAREZ, Isabel. ¿En qué consiste exactamente el principio de aleatorismo que propugnaba John Cage? ¿Qué son los pianos preparados?Disponível em:< id_d="82&secc="1"> Acesso em: 05/jun/2007, 13h10m.
BIOGRAFIA DE COMPOSITORES DE MÚSICA CLÁSSICA: JOHN CAGE. Disponível em : Acesso em: 05/jun/2007 13h.
[1] Principalmente informação confiável, de manuseio e leitura mais fáceis e não prejudiciais como é o caso do monitor de computador.
[2] Aleatorismo: Do latim alea, que quer dizer sorte/azar, ou como referência ao jogo de dados. O termo foi utilizado por Boulez em um ensaio que acompanhava a Terceira Sonata para piano (1957).
[3] Justamente a crítica que Boulez faz a Cage (BOULEZ apud TERRA, 2000, p.34).
1.Apresentação
Em função das dificuldades enfrentadas por nós estudantes, principalmente em virtude das greves e paralisações dos servidores públicos o que nos atinge tanto nas necessidades estruturais (acesso à internet, restaurante universitário, salas de estudos), quanto nas de acesso à informação[1] (laboratório de informática, biblioteca, salas adequadas...) o presente trabalho será apresentado baseando-se em apenas duas bibliografias impressas e, no mais, informações extraídas da mídia digital que, como sabemos não prima pela exatidão de seus dados.
Esta preleção, a guisa de desculpa, se faz necessária devido à recorrência de citações de um mesmo autor – Vera Terra -, conforme será demonstrado nos próximos parágrafos. Ressalvem-se as citações de Giulio Carlo Argan, cuja leitura havia sido feita em outra oportunidade, mas que chamou a atenção por constar em Terra (2000) e de Paul Griffits de quem foi lido apenas o capítulo sobre Aleatorismo.
1.1 Sobre a estrutura
Este trabalho não contém um capítulo de conclusão, pois as reflexões foram sendo realizadas durante a construção do texto e, portanto, a conclusão seria, neste caso, uma redundância.
Abri mão de fazer um capítulo extenso sobre a biografia de John Cage pelo fato de poder ser facilmente encontrada em qualquer local (site, livro, blog, resenha, ensaio...) com desencontro de informações ou margem de erro muito pequena e, assim, pontuei apenas alguns itens por sua obviedade ou relevância.
A estrutura conceitual se assenta em três eixos, visto que o Aleatorismo não é auto-explicativo o que determina sua contextualização no Modernismo a partir de algumas abordagens de caráter histórico, cultural e musical. Entretanto cabe ressaltar que só pode ser pretensão de um mero seminário apontar superficialmente territorialidades e temporalidades na localização desta corrente.
Dada a abrangência do tema e o número de músicos que se empenharam em fazer e pensar Aleatorismo, apenas seria possível ater-se a uma técnica focando um autor ou grupo dentro da corrente. Na realidade os compositores, individual ou coletivamente procuraram defender sua técnica composicional como a mais apropriada, melhor fundamentada ou mais avant garde.
O fato é que esta corrente, bem como outras em outros tempos e lugares, agregou diferentes pensamentos, prova disso são as definições diferenciadas, ao menos nos casos de Boulez e Cage em que temos Aleatorismo e Indeterminação, respectivamente.
Assim é que John Milton Cage Jr torna-se lídimo representante da Indeterminação em música, pois, de acordo com Francis Bayer este termo se aplicaria a, pelo menos, duas situações de composição concomitantes em que os elementos utilizados combinados criam uma ruptura de sentido e perda da concepção de obra (apud TERRA, 2000, pp.19, 135).
2. INTRODUÇÃO
2.1 Contexto histórico-cultural
Segundo Giulio Carlo Argan, eminente crítico de arte do século XX, a crise que se instala na arte, em todas as suas poéticas, surge como reflexo da Primeira Guerra Mundial basicamente por dois motivos: o apogeu do racionalismo artístico contradiz a irracionalidade da guerra, mas também há um esgotamento de material, técnica, temática, estética (1993, p.507).
As tentativas de reconstrução dos elementos artísticos aliadas à crescente aproximação entre os intelectuais da época, começam a esbarrar em conceituações que visam o rompimento com os cânones tradicionais. A própria filosofia começa a duvidar de si mesma em função das visadas existencialistas, do avanço dos estudos em psicologia, da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, mas de maneira mais eficaz devido às abordagens fenomenológicas de Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty e outros.
Não poderia ser verdade que as outras áreas de conhecimento realizassem as mudanças em música, já que ela vem mudando através dos tempos, mas os intelectuais da época, entre eles diversos artistas, irão fornecer o suporte teórico como base não-artística propriamente ou fornecerem material artístico, mas não-musical. É assim que temos figuras que, não sendo músicos profissionais, (instrumentistas, compositores, maestros...) vão diletantemente trazer propostas inovadoras de um arrojo impensado pelos músicos, vide o caso do Serialismo de Scöenberg.
Isso demonstra que mesmo os compositores comprometidos com novas propostas estéticas e inovações nas correntes de vanguarda estavam ainda muito presos à música de academia, naquilo que ela sempre guardou como tradição.
A situação da arte torna-se cada vez mais aguda e, após a Segunda Guerra Mundial, o centro polarizador das criações artísticas já não é mais privilégio da Velha Europa, principalmente de Paris e, nesse cenário, em New York, Tókio, São Paulo, Nuevo México começam a confluir e refluir movimentos e movimentações de artistas e intelectuais com propostas novas e ousadas.
Embora pareça contraditório é na França, no bojo do Cubismo, que se insinua a estética fundante da Arte Contemporânea: Dadá.
2.2 Na música
Curiosamente, os antigos libretos que acompanhavam as apresentações musicais são apenas substituídos por textos explicativos. Na realidade a busca por soluções fora do âmbito estritamente musical, dada a interlocução entre as diferentes áreas de conhecimento, resulta na apresentação das obras acompanhadas de pormenores teóricos que explicitam procedimentos e fundamentos. Tais textos não se restringiam a expor métodos e referenciais, mas defendiam de maneira panfletária, às vezes, suas idéias e objetivos.
É nesse contexto que se circunscreve o que foi chamado de Estética da Indeterminação (segunda metade do século XX), pois acolhe procedimentos indeterminados no tratamento do material, da forma e da interpretação ou, nas palavras de Earle Brown “função criativa do não-controle” (apud TERRA, 2000, p.18). Portanto, ao ser abandonada uma das premissas básicas que é o controle, o direcionamento, a intenção-fim não poderia estar sendo colocada em cheque outra premissa que é a da autoria? Sendo assim não se compromete o fazer no nível em que a concepção de obra de arte se insere, fazendo com que perca o status?
Paul Griffits (p.159) afirma que os europeus se preocupavam muito com o problema do controle (Schöenberg, Webern, Boulez, Stockhausen, Ligeti...), já o norte-americano John Cage, não, o que comprova a tese de Argan de que um dos componentes libertadores da arte de suas amarras acadêmicas é o deslocamento do pólo cultural europeu para outras partes do mundo.
O aleatorismo surge como elemento constituinte da música eletrônica e do serialismo integral por causa do processo composicional. No primeiro caso devido ao comportamento dos sons complexos e no outro por causa do determinismo numerológico.
De qualquer forma é requerida da arte alguma resposta eloqüente ao non sense bélico e esta resposta tem íntima ligação com as correntes artísticas modernas e contemporâneas, seja no controle total de Webern, seja na instigante indeterminação de Cage.
Fatalmente o controle weberniano mostra-se ilusório na medida em que o serialismo praticado por ele é uma técnica numerológica (GRIFFITS, p.159) o que certamente fornece as bases do aleatorismo de Boulez e a indeterminação de Cage, já que um se atém aos aspectos positivos e o outro aos negativos da obra de Webern (TERRA, 2000, p.23). Um quer o som, o controle, o outro quer o silêncio, o incerto.
Ainda de acordo com Vera Terra a indeterminação no contexto da produção artístico-musical comparece menos como desagregadora de um sistema (tonal) e mais como um componente propositivo. Em outras palavras, não é uma experiência devastadora, caricatural ou anedótica da música de concerto tonal, mas surge como solução dos problemas advindos do seu esgotamento.
Assim, há neste momento uma configuração artística (grifo do autor) em função de um conjunto de obras que vai se delineando como rompimento num evento, fazendo do rastro dela advindo uma estética passada que será, por força da inovação, inserida no campo do academicismo (BADIOU apud TERRA, 2000, p.17).
3 E O ALEATORISMO[2]...?
Para Isabel Alvarez o termo pode ser entendido como uma técnica composicional em que os elementos, em maior ou menor graus, serão indetermináveis na composição, execução ou em ambas.
Seus fundamentos se prestam a (in)-determinar o caminho ou procedimentos para que aquilo que pudesse ser um elemento fomentador não se transforme em formalismo.
A idéia é permitir o máximo de liberdade de forma e conteúdo em que o campo de atuação (o silêncio) não seja concebido apenas como fundo, mas seja inserido na música como figura, trazendo consigo o a maior quantidade possível de componentes externos imprevisíveis ou previsíveis, mas não controláveis.
Nesse sentido os procedimentos variam: há o piano preparado de Cage; a improvisação a partir de sugestões na pauta (ou não); utilização de mapas musicais; indicação de melodia, mas não de tempo; escolha aleatória de trechos escritos previamente; indeterminação de andamento...
Um dos aspectos fundantes da Música Aleatória é a ilusão da unidade intenção-escrita-audição, já que não nenhuma garantia de que aquilo que o compositor imaginou primitivamente e registrou em seguida, será executado pelo intérprete ou mesmo aquilo que o espectador escuta e apreende, retém sejam a mesma e única coisa.
As relações não são simples, existem muitas variáveis cuja origem, contexto e resultados jamais são os mesmos. Por outro lado, apenas a incorporação total do acaso na música é fato recente, visto que, já no barroco, não há indicação de andamento surgindo como forma de participação do intérprete. Vale lembrar que Mozart se utilizou da alea (jogo de dados) para compor (Würfelspiel).
3.1 O aleatório na obra de Cage...
... que, pelos motivos expostos, prefere o termo Indeterminação, não é um mero abandono[3], pelo contrário consiste em ilustrar meticulosamente o que está sendo feito e o que pode advir desta intenção. Mesmo em 4’33” há uma intenção não-intencional do compositor, menos em termos de controle e aprisionamento do que como proposição do evento e articulação dos componentes externos necessários à sua consecução: demiurgia (?).
A Indeterminação toma formas interessantes entre os colegas (discípulos?) de John Cage na Escola de Nova Iorque. Percebe-se que aspecto gráfico mais do que nunca tem importância nuclear nessa corrente, sendo fundamental para a execução das peças como mapa, indicativo das (não)-intenções do compositor.
Entretanto fica claro que compositor e intérprete devem partilhar códigos, sem os quais a comunicação ficaria interditada. Feldman, por exemplo, determina a forma, a partir de seu mapa, dando indicações de conteúdo a partir de uma grafia estrutural, geométrica e espacial. Brown, por sua vez, indica o conteúdo e não a forma, chegando a sugerir apenas por uma única linha sua pretensão sonora.
Cage vai preocupar-se com o processo e o contexto mais do que com a obra e, por conseguinte o texto e este será um dos muitos contrastes entre ele e Pierre Boulez (TERRA, 2000, p.36). A DIFERENÇA entre eles também pode ser percebida no ponto em que Boulez não abre mão do controle como garantia da propriedade da obra, enquanto que Cage não se detém no poder, abre mão do controle e de uma concepção bouleziana de autoria em prol da inovação (TERRA, 2000, p.47).
Percebe-se uma preocupação em trazer a indeterminação desde o barroco enquanto elementos timbrísticos, amplitudinais e, assim, performáticos. Entretanto considera que a música do século XX deve ir além, por isso a crítica a Stockhausen e, portanto, uma radicalidade no tratamento da forma, do material e da performance, ou seja, a indeterminação se instaura em todos os níveis da obra.
John Cage quer romper com a série de doze sons e a pulsação e transcende quebrando as formas acadêmicas. Nesse sentido aproxima-se fortuitamente do Dadaísmo “Nada, portanto, é alcançado com esta performance, já que ela não pode ser entendida como um objeto no tempo” (CAGE apud TERRA, 2000, p.33).
4. BIOGRAFIA e ALGUMAS OBRAS
- John Milton Cage Jr, nascido em Los Angeles, 05/set/1912;
- Abandonou a escola, foi para a Europa onde estudou Arquitetura e interessou-se por música e pintura;
- Estudou harmonia com Adolph Weiss e música oriental e folk com Henry Lowell na New School for Social Resourch (NY);
- Estudou com Schöenberg com quem brigou posteriormente;
- Envolveu-se com dança em ’37;
- Interessou-se por ruídos (e silêncio) montando uma orquestra de percussão para quem escreveu sua primeira peça experimental First Construction in Metal;
- Com o bailarino Merce Cunningham fez parceria em sua Cia de Dança;
- Criou o happening ao organizar um evento multimídia no Black Mountain College reunindo pinturas de Rauschenberg, a dança de Merce, música, filmes, poesia...
- Seu piano preparado surge em decorrência de uma peça encomendada pela dançarina Sylvilla Fort da Cornish School para a coreografia de seu Bacchanale de motivos afro-rítmicos, por isso os sons primitivos e percussivos criados pela inserção de objetos entre as cordas do instrumento;
- Posteriormente compôs suas Sonatas e Interlúdios todos para piano preparado;
- Fez incursões pela música eletrônica (Imaginary Landscape nº 4);
- Através do estudo do oráculo chinês (I Ching) compôs Music of Changes cuja técnica composicional consiste em “sortear” um hexagrama que, por associação, toma um conjunto de cartelas, compostas de som e silêncio, como base de interpretação e execução;
- A peça 4’33”, figura como marca registrada de Cage e
- O conjunto de ensaios intitulado Silence em que apresenta muitas de suas propostas e idéias sobre indeterminação, sendo estas duas últimas obras as principais responsáveis pelo rótulo de neo-dadaísta.
5. DISCOGRAFIA
Piano preparado para Bacchanale
Imaginary Landscape Nº 1
Sonata Nº 1
Musico f Changes (1951 – Book 1)
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRIFFTHS, Paul. A Música Moderna: uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
TERRA, Vera. Acaso e aleatório na música: um estudo da indeterminação nas poéticas de Cage e Boulez. São Paulo: EDUC-FAPESP, 2000.
ÁLVAREZ, Isabel. ¿En qué consiste exactamente el principio de aleatorismo que propugnaba John Cage? ¿Qué son los pianos preparados?Disponível em:< id_d="82&secc="1"> Acesso em: 05/jun/2007, 13h10m.
BIOGRAFIA DE COMPOSITORES DE MÚSICA CLÁSSICA: JOHN CAGE. Disponível em :
[2] Aleatorismo: Do latim alea, que quer dizer sorte/azar, ou como referência ao jogo de dados. O termo foi utilizado por Boulez em um ensaio que acompanhava a Terceira Sonata para piano (1957).
[3] Justamente a crítica que Boulez faz a Cage (BOULEZ apud TERRA, 2000, p.34).
quinta-feira, 8 de março de 2007
quarta-feira, 7 de março de 2007
SEMINÁRIO DE ARTE CONTEMPORÂNEA
SEMINÁRIO DE ARTE CONTEMPORÂNEA[1]
Herman Hudson de Oliveira
Apresentação
Se observarmos atenta e sensivelmente os movimentos artísticos ao longo da história é possível percebê-los não como seqüências estanques e lineares, mas sim em linhas espiraladas concêntricas, abertas, num jogo de idas e vindas, aceites e negações em que se retomam cânones, parcial ou totalmente como é o caso do Clássico e do Classicismo; do Barroco e do Romântico[2], entre outros períodos e correntes.
Muitas vezes a genialidade, traduzida em originalidade, manifesta-se tardiamente dentro de um período, resultando em prenúncio. Noutras, algum aspecto (ou aspectos) de um estilo que se supunha superado, aliado a materiais e novas concepções estéticas, volta com força, com vigor, com vida, mesmo quando representa um fim, um esgotamento: a morte, mas pensemos nela como um recomeço. Afinal, construções são feitas de desconstrução.
O que pretendemos demonstrar nesta pequena e despretensiosa análise introdutória é que a criação artística se apresenta como um tecido em que se imbricam diferentes fios onde, seguindo esta analogia, são tecidas as diversas correntes estéticas.
Obviamente, observadas as proporções e limitações deste trabalho, não adentramos em questões (muito pertinentemente) insinuadas nesta apresentação, a saber: a imensa contribuição de Henri Matisse como o primeiro a realizar uma instalação, por exemplo.
Introdução
Podemos afirmar, grosso modo, que o rompimento de muitos dos cânones tradicionais - a aparente revolução cubista[3] com a total quebra da perspectiva -, até então responsáveis por determinar se um objeto poderia ser enquadrado na categoria obra-de-arte; a utilização de meios e materiais das mais diversas origens e usos; o sério questionamento sobre a dinâmica funcional da arte - questões de forma e representação -, tem início um movimento que servirá de base ideológica à Arte Contemporânea.
Dada é certamente um dos primeiros indícios do surgimento de uma nova corrente artística, com seu despojamento e negação dos valores vigentes[4] onde figuram Picabia, o fotógrafo Stieglitz e o francês Marcel Duchamp.
Em meados do século XX, Duchamp chama a atenção para os problemas que envolvem a produção artística ao trazer para este contexto objetos do cotidiano e denominá-los obras de arte sugerindo, assim, que o espectador reflita sobre o que diferencia um e outro: o contexto (ARCHER, 2001, P.3).
A Crise e a Pop Art
Os críticos e historiadores apontam a Segunda Guerra Mundial como a grande responsável pela crise que se instala nas concepções artísticas. Após a guerra a Europa perde o status de centro artístico-cultural mundial, cujo foco se desloca para a América do Norte, especificamente, New York, é atingida material e moralmente por esta guerra, além disso, o deslocamento do centro cultural não é exclusivista e excludente, pois a Arte Moderna é feita em toda parte – Japão e América Latina inclusive (ARGAN, 1993, p.507).
Entretanto a relevância desta mudança, para a arte, é que a crise européia a atinge no centro de sua percepção temporal, ou seja, em sua construção cultural, representada pela tradição. O passado exerce uma pressão muito grande ao contrário dos americanos que se julgam um povo culturalmente jovem a quem é permitido ousar e, assim a arte goza de uma certa autonomia.
Se se aponta como motivo para o surgimento da Arte Contemporânea o deslocamento do núcleo cultural mundial para a América do Norte, pode-se, inversamente, observar que é lá que surge o primeiro movimento desta corrente: a Pop Art.
Há alguns pontos relevantes que, cumulativa ou concomitantemente, concorrem para a construção das novas correntes.
Vejamos: o que há é uma crise generalizada de técnicas, temas, padrão estético, ou seja, em todo o sistema se, apenas para efeito de análise, reduzirmos a arte a um conjunto de fazeres que pode diferir em maior ou menor grau em suas técnicas e materiais. Por outro lado devemos atentar para a nova conceituação surgida no ambiente americano que, entre outras coisas, concebe a “coisa artística” na cultura como existência e não em termos de função ou finalidade.
No entanto é preciso observar que, do ponto de vista marxista, da luta de classes, em que forças progressistas e conservadoras se defrontam, os funcionalistas defendem que o trabalho repetitivo e a falta de liberdade não permitem que o indivíduo seja criativo e renovador da realidade, haja vista que este mesmo trabalho, ao não ter relação com a realidade, é alienante. Restaria à arte, portanto, este papel de “último herdeiro do espírito criativo” (ARGAN, 1993, p.301), em outras palavras, a obra de arte não teria mais um valor em si senão em razão do exercício de uma função e finalidade na sociedade.
Enfim, para não estender muito os tópicos, observa-se que arte e sociedade se contrapõem na Europa. De acordo com G.C. Argan a arte européia ao configurar-se em ciência, sacrificando-se como arte em prol de uma racionalização se aparta de uma sociedade passiva diante de duas guerras, um genocídio, campos de extermínio, bomba atômica, ou seja, uma sociedade bem pouco razoável, que aceita os “arbítrios do poder” (ARGAN, 1993, p.509).
Já a arte na América do Norte renuncia às técnicas tradicionais passando a utilizar quaisquer técnicas, métodos e materiais que venham de encontro à tradição ou que insiram a arte como objeto comunicante às massas devido ao caráter pseudo-democrático americano (ARGAN, 1993, p.508). Entretanto resta a antítese consumo e valor, pois, numa sociedade de consumo a fruição não encontra espaço.
Utopicamente falando, se o artista agrega uma concepção estética coletiva à arte, atuando democraticamente deve, de alguma forma, operar esteticamente sobre a realidade. Todavia, ao não realizar-se enquanto tal, há uma crise criativa instalada. Nesse sentido é que a Pop Art figura opostamente a esta utopia ao escancarar o consumo, negando-se a dar significados, mas incorporando a realidade de uma sociedade consumista e admitindo sua falta de criatividade representada pela repetição, pela reprodução. Adorno teria muito a dizer sobre isto.
Nouveau Rèalisme
O termo foi cunhado na época de uma exposição em Milão, em 1960 e, curiosamente, teve na pessoa de um crítico de arte, Pierre Restany, seu grande impulsionador e agregador, não no sentido de uma homogeneização, já que o movimento não limitava a área de atuação, tampouco elementos formais ou temas, porém na busca de uma coletividade.
A matéria prima é retirada do mundo ordinário e tratada espetacularmente pelo artista com técnicas de assemblage, intervenções, imagens, fotografias, enfim, não há limitações. Empregam-se materiais indistintamente, recusa-se a técnica tradicional, organizada, diferentemente da Pop Art onde o tratamento é, muitas vezes, extremamente meticuloso.
O significado, embora lancem mão de fragmentos universais, é enfocado pelo artista, inclusive e, muito principalmente, a própria obra só é enquadrada como arte se o artista disser que ela é.
Outra característica marcante deste movimento é seu engajamento. Não há neutralidade, numa Arte Contemporânea em formação e que prega, segundo Argan (1993, p.562), que sua pesquisa deve levar em consideração questões notadamente políticas, não devendo servir a uma elite que a aprecie, mas conduzir o indivíduo à uma posição autônoma em que se emancipe e tenha consciência de que sua percepção é uma parte de algo maior que é sua imaginação.
Este forte componente político se apresenta, neste momento, por meio de obras de intervenção, mais do que trabalhos que sofram valorização, os artistas, definitivamente não estão preocupados com isso. Nesse ponto é que Restany tem papel central como crítico militante, de um lado é preciso estabelecer um conjunto estético, embora heterogêneo, coeso. De outro, se não há objeto a ser valorizado há um comprometimento da crítica a posteriori. Portanto, a necessidade da fala do crítico que intermedeia o ato fruidor, tornando-o mais próximo daquilo que o artista quer comunicar. Principalmente pelo fato das muitas obras produzidas possuírem um caráter ironicamente contestador dos valores a elas agregados.
Minimalismo
O minimalismo, em geral mais identificado com a escultura ou uma “continuação da pintura por outros meios” (ARCHER, 2001, p.42) é, ao lado da Pop Art, a corrente mais influente da Arte Contemporânea, geradoras de todas as outras. Esta expressão surge pejorativamente por parte de alguns críticos aos trabalhos de Judd, Morris, Flavin e André, precursores desta nova concepção estética, nos idos dos anos 60.
A arte minimalista, por conter elementos mínimos imprescindíveis à sua existência, preocupava-se em fazer com que seu apreciador se concentrasse não naquilo que ela teria de essencial, mas naquilo que demonstrasse, já que não procuraria remeter a nada por não conter nenhum elemento ou proposta metafórica.
Além disso, sua autonomia consiste justamente em não criar dependência ou relacionar seu sentido simbólica ou metafisicamente. Nesse ponto seu pragmatismo é brutal e sua “lealdade aos fatos é um valor ético” (ROSE apud ARCHER, 2001, p.50).
Ao contrário do Nouveau Rèalisme, na corrente minimalista encontra-se, em um de seus maiores representantes, Dan Flavin, uma despersonalização que, paradoxalmente, torna-se uma de suas marcas. Porém, outra proposta interessante desta corrente é encontrada na concepção gestáltica de Robert Morris quando propõe uma arte que, sendo apreendida de imediato, permite que o apreciador considere outros aspectos relativos à obra e ao entorno. Em conseqüência disso os limites entre as linguagens artísticas se torna bastante tênue.
Os críticos mais severos ao movimento minimalista afirmavam que, em virtude desta dissipação ou indistinção fronteiriça, principalmente entre as artes plásticas e as cênicas era um fator perturbador de seus status, eideticamente falando, visto que certos aspectos conceituais, por causa do rompimento de determinadas barreiras, são ultrapassados, o que equivaleria dizer, de maneira bastante grosseira, que não se saberia precisar o que fosse uma escultura ou um monólogo. Também, com isso, para dar conta dos conceitos e realizá-los, materializá-los é preciso lançar mão dos avanços tecnológicos ou, mais do que isso, ter acesso a eles, incorporá-los ao fazer artístico.
Conclusão
Em resumo, o fato é que, sem sombra de dúvida, afora o contexto histórico-cultural e social, vemos na pessoa de Marcel Duchamp, sem prejuízo de outros grandes nomes, o gênio fomentador ou instigador dos questionamentos acerca do que seja arte e do fazer que a envolve partindo de questionamentos quase prosaicos de tão essenciais, aproximando uma arte, que de há muito flertava com o Iluminismo, de uma realidade objetal, material, física, palpável, comezinha até.
Entretanto que conseqüências poderiam resultar de um desprendimento da arte que se quisesse ideal apenas, irreal ou fantasmagórica?
Referências bibliográficas
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ARGAN, Giulio Carlo. A Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos-Editorial, 1999.
[1] Trabalho apresentado no encerramento da Disciplina de História da Arte II, ministrada pela Profª Ms Thereza Ramalho de Azevedo Cunha, 4° semestre do Curso de Licenciatura Plena em Música da UFMT.
[2] Discordando um pouco de Graça Proença, G.C. Argan, em Arte Moderna (1993, p.11), afirma que o Romantismo teria uma ligação mais estreita com o Românico e o Gótico. Worringer apud Argan (1993, p.11) sustenta uma divisão geográfica das correntes artísticas: o clássico estaria ligado ao mundo mediterrâneo “onde a relação dos homens com a natureza é clara e positiva”, enquanto que o romântico teria ligação com as regiões nórdicas em cuja natureza se apresenta como “uma força misteriosa, freqüentemente hostil”.
[3] De acordo com Argan (1993, p.355) os dadaístas, que surgem dentro do cubismo, criticam-no como sendo “ainda” arte de museu.
[4] O próprio nome é escolhido ao acaso ao se abrir um dicionário, segundo Argan (1993, p. 355)
Herman Hudson de Oliveira
Apresentação
Se observarmos atenta e sensivelmente os movimentos artísticos ao longo da história é possível percebê-los não como seqüências estanques e lineares, mas sim em linhas espiraladas concêntricas, abertas, num jogo de idas e vindas, aceites e negações em que se retomam cânones, parcial ou totalmente como é o caso do Clássico e do Classicismo; do Barroco e do Romântico[2], entre outros períodos e correntes.
Muitas vezes a genialidade, traduzida em originalidade, manifesta-se tardiamente dentro de um período, resultando em prenúncio. Noutras, algum aspecto (ou aspectos) de um estilo que se supunha superado, aliado a materiais e novas concepções estéticas, volta com força, com vigor, com vida, mesmo quando representa um fim, um esgotamento: a morte, mas pensemos nela como um recomeço. Afinal, construções são feitas de desconstrução.
O que pretendemos demonstrar nesta pequena e despretensiosa análise introdutória é que a criação artística se apresenta como um tecido em que se imbricam diferentes fios onde, seguindo esta analogia, são tecidas as diversas correntes estéticas.
Obviamente, observadas as proporções e limitações deste trabalho, não adentramos em questões (muito pertinentemente) insinuadas nesta apresentação, a saber: a imensa contribuição de Henri Matisse como o primeiro a realizar uma instalação, por exemplo.
Introdução
Podemos afirmar, grosso modo, que o rompimento de muitos dos cânones tradicionais - a aparente revolução cubista[3] com a total quebra da perspectiva -, até então responsáveis por determinar se um objeto poderia ser enquadrado na categoria obra-de-arte; a utilização de meios e materiais das mais diversas origens e usos; o sério questionamento sobre a dinâmica funcional da arte - questões de forma e representação -, tem início um movimento que servirá de base ideológica à Arte Contemporânea.
Dada é certamente um dos primeiros indícios do surgimento de uma nova corrente artística, com seu despojamento e negação dos valores vigentes[4] onde figuram Picabia, o fotógrafo Stieglitz e o francês Marcel Duchamp.
Em meados do século XX, Duchamp chama a atenção para os problemas que envolvem a produção artística ao trazer para este contexto objetos do cotidiano e denominá-los obras de arte sugerindo, assim, que o espectador reflita sobre o que diferencia um e outro: o contexto (ARCHER, 2001, P.3).
A Crise e a Pop Art
Os críticos e historiadores apontam a Segunda Guerra Mundial como a grande responsável pela crise que se instala nas concepções artísticas. Após a guerra a Europa perde o status de centro artístico-cultural mundial, cujo foco se desloca para a América do Norte, especificamente, New York, é atingida material e moralmente por esta guerra, além disso, o deslocamento do centro cultural não é exclusivista e excludente, pois a Arte Moderna é feita em toda parte – Japão e América Latina inclusive (ARGAN, 1993, p.507).
Entretanto a relevância desta mudança, para a arte, é que a crise européia a atinge no centro de sua percepção temporal, ou seja, em sua construção cultural, representada pela tradição. O passado exerce uma pressão muito grande ao contrário dos americanos que se julgam um povo culturalmente jovem a quem é permitido ousar e, assim a arte goza de uma certa autonomia.
Se se aponta como motivo para o surgimento da Arte Contemporânea o deslocamento do núcleo cultural mundial para a América do Norte, pode-se, inversamente, observar que é lá que surge o primeiro movimento desta corrente: a Pop Art.
Há alguns pontos relevantes que, cumulativa ou concomitantemente, concorrem para a construção das novas correntes.
Vejamos: o que há é uma crise generalizada de técnicas, temas, padrão estético, ou seja, em todo o sistema se, apenas para efeito de análise, reduzirmos a arte a um conjunto de fazeres que pode diferir em maior ou menor grau em suas técnicas e materiais. Por outro lado devemos atentar para a nova conceituação surgida no ambiente americano que, entre outras coisas, concebe a “coisa artística” na cultura como existência e não em termos de função ou finalidade.
No entanto é preciso observar que, do ponto de vista marxista, da luta de classes, em que forças progressistas e conservadoras se defrontam, os funcionalistas defendem que o trabalho repetitivo e a falta de liberdade não permitem que o indivíduo seja criativo e renovador da realidade, haja vista que este mesmo trabalho, ao não ter relação com a realidade, é alienante. Restaria à arte, portanto, este papel de “último herdeiro do espírito criativo” (ARGAN, 1993, p.301), em outras palavras, a obra de arte não teria mais um valor em si senão em razão do exercício de uma função e finalidade na sociedade.
Enfim, para não estender muito os tópicos, observa-se que arte e sociedade se contrapõem na Europa. De acordo com G.C. Argan a arte européia ao configurar-se em ciência, sacrificando-se como arte em prol de uma racionalização se aparta de uma sociedade passiva diante de duas guerras, um genocídio, campos de extermínio, bomba atômica, ou seja, uma sociedade bem pouco razoável, que aceita os “arbítrios do poder” (ARGAN, 1993, p.509).
Já a arte na América do Norte renuncia às técnicas tradicionais passando a utilizar quaisquer técnicas, métodos e materiais que venham de encontro à tradição ou que insiram a arte como objeto comunicante às massas devido ao caráter pseudo-democrático americano (ARGAN, 1993, p.508). Entretanto resta a antítese consumo e valor, pois, numa sociedade de consumo a fruição não encontra espaço.
Utopicamente falando, se o artista agrega uma concepção estética coletiva à arte, atuando democraticamente deve, de alguma forma, operar esteticamente sobre a realidade. Todavia, ao não realizar-se enquanto tal, há uma crise criativa instalada. Nesse sentido é que a Pop Art figura opostamente a esta utopia ao escancarar o consumo, negando-se a dar significados, mas incorporando a realidade de uma sociedade consumista e admitindo sua falta de criatividade representada pela repetição, pela reprodução. Adorno teria muito a dizer sobre isto.
Nouveau Rèalisme
O termo foi cunhado na época de uma exposição em Milão, em 1960 e, curiosamente, teve na pessoa de um crítico de arte, Pierre Restany, seu grande impulsionador e agregador, não no sentido de uma homogeneização, já que o movimento não limitava a área de atuação, tampouco elementos formais ou temas, porém na busca de uma coletividade.
A matéria prima é retirada do mundo ordinário e tratada espetacularmente pelo artista com técnicas de assemblage, intervenções, imagens, fotografias, enfim, não há limitações. Empregam-se materiais indistintamente, recusa-se a técnica tradicional, organizada, diferentemente da Pop Art onde o tratamento é, muitas vezes, extremamente meticuloso.
O significado, embora lancem mão de fragmentos universais, é enfocado pelo artista, inclusive e, muito principalmente, a própria obra só é enquadrada como arte se o artista disser que ela é.
Outra característica marcante deste movimento é seu engajamento. Não há neutralidade, numa Arte Contemporânea em formação e que prega, segundo Argan (1993, p.562), que sua pesquisa deve levar em consideração questões notadamente políticas, não devendo servir a uma elite que a aprecie, mas conduzir o indivíduo à uma posição autônoma em que se emancipe e tenha consciência de que sua percepção é uma parte de algo maior que é sua imaginação.
Este forte componente político se apresenta, neste momento, por meio de obras de intervenção, mais do que trabalhos que sofram valorização, os artistas, definitivamente não estão preocupados com isso. Nesse ponto é que Restany tem papel central como crítico militante, de um lado é preciso estabelecer um conjunto estético, embora heterogêneo, coeso. De outro, se não há objeto a ser valorizado há um comprometimento da crítica a posteriori. Portanto, a necessidade da fala do crítico que intermedeia o ato fruidor, tornando-o mais próximo daquilo que o artista quer comunicar. Principalmente pelo fato das muitas obras produzidas possuírem um caráter ironicamente contestador dos valores a elas agregados.
Minimalismo
O minimalismo, em geral mais identificado com a escultura ou uma “continuação da pintura por outros meios” (ARCHER, 2001, p.42) é, ao lado da Pop Art, a corrente mais influente da Arte Contemporânea, geradoras de todas as outras. Esta expressão surge pejorativamente por parte de alguns críticos aos trabalhos de Judd, Morris, Flavin e André, precursores desta nova concepção estética, nos idos dos anos 60.
A arte minimalista, por conter elementos mínimos imprescindíveis à sua existência, preocupava-se em fazer com que seu apreciador se concentrasse não naquilo que ela teria de essencial, mas naquilo que demonstrasse, já que não procuraria remeter a nada por não conter nenhum elemento ou proposta metafórica.
Além disso, sua autonomia consiste justamente em não criar dependência ou relacionar seu sentido simbólica ou metafisicamente. Nesse ponto seu pragmatismo é brutal e sua “lealdade aos fatos é um valor ético” (ROSE apud ARCHER, 2001, p.50).
Ao contrário do Nouveau Rèalisme, na corrente minimalista encontra-se, em um de seus maiores representantes, Dan Flavin, uma despersonalização que, paradoxalmente, torna-se uma de suas marcas. Porém, outra proposta interessante desta corrente é encontrada na concepção gestáltica de Robert Morris quando propõe uma arte que, sendo apreendida de imediato, permite que o apreciador considere outros aspectos relativos à obra e ao entorno. Em conseqüência disso os limites entre as linguagens artísticas se torna bastante tênue.
Os críticos mais severos ao movimento minimalista afirmavam que, em virtude desta dissipação ou indistinção fronteiriça, principalmente entre as artes plásticas e as cênicas era um fator perturbador de seus status, eideticamente falando, visto que certos aspectos conceituais, por causa do rompimento de determinadas barreiras, são ultrapassados, o que equivaleria dizer, de maneira bastante grosseira, que não se saberia precisar o que fosse uma escultura ou um monólogo. Também, com isso, para dar conta dos conceitos e realizá-los, materializá-los é preciso lançar mão dos avanços tecnológicos ou, mais do que isso, ter acesso a eles, incorporá-los ao fazer artístico.
Conclusão
Em resumo, o fato é que, sem sombra de dúvida, afora o contexto histórico-cultural e social, vemos na pessoa de Marcel Duchamp, sem prejuízo de outros grandes nomes, o gênio fomentador ou instigador dos questionamentos acerca do que seja arte e do fazer que a envolve partindo de questionamentos quase prosaicos de tão essenciais, aproximando uma arte, que de há muito flertava com o Iluminismo, de uma realidade objetal, material, física, palpável, comezinha até.
Entretanto que conseqüências poderiam resultar de um desprendimento da arte que se quisesse ideal apenas, irreal ou fantasmagórica?
Referências bibliográficas
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ARGAN, Giulio Carlo. A Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos-Editorial, 1999.
[1] Trabalho apresentado no encerramento da Disciplina de História da Arte II, ministrada pela Profª Ms Thereza Ramalho de Azevedo Cunha, 4° semestre do Curso de Licenciatura Plena em Música da UFMT.
[2] Discordando um pouco de Graça Proença, G.C. Argan, em Arte Moderna (1993, p.11), afirma que o Romantismo teria uma ligação mais estreita com o Românico e o Gótico. Worringer apud Argan (1993, p.11) sustenta uma divisão geográfica das correntes artísticas: o clássico estaria ligado ao mundo mediterrâneo “onde a relação dos homens com a natureza é clara e positiva”, enquanto que o romântico teria ligação com as regiões nórdicas em cuja natureza se apresenta como “uma força misteriosa, freqüentemente hostil”.
[3] De acordo com Argan (1993, p.355) os dadaístas, que surgem dentro do cubismo, criticam-no como sendo “ainda” arte de museu.
[4] O próprio nome é escolhido ao acaso ao se abrir um dicionário, segundo Argan (1993, p. 355)
terça-feira, 6 de março de 2007
segunda-feira, 5 de março de 2007
Cordofones
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